É 22 de Outubro. É Outono. É cinzento. São 5 p.m. dum domingo qualquer como todos os outros, iguais e repetidos no metrónomo dos meses e dos anos, marcando o fim de uma semana ou o início de outra, como quiseres! Varia conforme o teu estado de espírito e a fome que tens ou não de tempo. O Sócrates por exemplo deve vê-los como o fim de uma semana, pode ser que lhe dê a ilusão optimista que já cumpriu mais uma semana de governo exemplar cheia de exemplos em branco, e isso lhe alimente o seu espírito ambicioso por um Portugal melhor e uma conta bancária Excelente. Já eu por exemplo, dou comigo às vezes a consumir domingos com um apetite voraz, quando alguma data aliciante espera por mim sentada no quadradinho do seu calendário. E volta e meia, à conta desta minha gula cronológica, engasgo-me nos domingos e nas quartas-feiras, tropeço nas terças e engulo as quintas sem mastigar, trocando a digestão toda e a agenda também. Basicamente a minha falta de organização explica-se pelo sabor do tempo e a minha enorme gulodice.
Este domingo de hoje acordou zangado e de mal com o mundo. Está com má cara! E com mau tempo também! Não há luz! Parece que se fechou num quarto escuro a chorar sobre as suas mágoas! Os meus sentimentos… Nada que uma caixa de chocolates e uma sessão intensiva de Dr. Phill não resolvam!
Sento-me na cadeira em frente à secretária, em posições que desafiam a morfologia humana e surpreendem-me com a minha flexibilidade desconhecida, e vou olhando pela janela a ver se chove. Literalmente. E chove! O domingo está com um ar ameaçador hoje! Ventos ciclónicos, árvores empurradas umas contra as outras, gotas de água suicidas, folhas pára-quedistas, carros que abanam como se as joaninhas da Peugeot dançassem samba lá dentro, dilúvios de proporções celestiais, trovoadas ensurdecedoras que até o nosso coração e pulmões ouvem, como se a terra estivesse com fome ou como se os deuses se irritassem lá em cima e se insultassem divinamente, relâmpagos hipnotizantes como se o céu nos tivesse a tirar fotografias, e um filtro cinzento que torna tudo mais escuro.
Fico parada e estática a olhar o temporal, como se estivesse a ver o Orlando Bloom à minha frente. Nunca soube explicar muito bem a sensação que tenho quando olho a chuva lá fora. É um misto de segurança e desconforto, de bonito e feio, de bom e de mau. É como um vício. Prende-me de uma forma instintiva. Não conheço nenhum nome para essa sensação. Se me perguntarem o que sinto ao ver uma tempestade, respondo que sinto chuva. É capaz de servir a definição. Gosto do cheiro a terra molhada e do cheiro a frio, gosto de a ver cair lá fora, mas apenas porque estou cá dentro e isso me dá uma sensação estúpida de segurança, como se a chuva magoasse. Isso faz-me sentir uma medricas patética.
E fico assim, a ver o domingo passar, os chapéus de chuva a virarem-se do avesso, pondo em causa a sua utilidade, as manadas oportunistas de “qué-frô” sedentos de negócio fácil e conveniente com molhos não de rosas mas de guarda-chuvas a dois euros, as calças molhadas até aos joelhos, os cabelos das senhoras feitos ninho de rato. Fico assim sentada a ver Outubro, a ver Outono, a ver cinzento.
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2 comentários:
esta muito giro manolas
beijos
joana a irmã da mafalda
minha querida cada vez estás a escrever melhor adoro ler as tuas histórias , sempre gostei e vou gostar sempre ,continua assim gosto muito de ti.
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