04/10/2011
Observações de Campo #4
05/04/2011
9º Mistério - o d'O Braço
Para aqueles que não seguem o meu percurso literário (o que representa aproximadamente o resto do mundo) e não sabem, a minha avó é um ícone na minha infância e alguém com quem tenho aprendido até hoje.
Mas há uma e uma só excepção de uma lição que eu nunca aprendi - e que eu sei que afecta a minha vida em grande escala.
Alguém me explique a máxima de vida:
“Antes isso que um braço partido”.
Eu já tentei, já me virei do avesso, já me submeti a testes-cobaia de drogas alucinogénicas e feitiços Malaios, mas acho sinceramente que não tenho capacidade espiritual para contemplar toda a beleza e essência desta frase.
É que para mim - e Deus me perdoe tamanho sacrilégio - há coisas bem piores.
Chumbei a uma cadeira - Oh filha, antes isso que um braço partido!
Vou ficar presa mais um ano, iniciar a carreira mais tarde, sair de casa aos 30 e quando quiser ter filhos já não vou estar na idade fértil, acabando os meus dias num lar a jogar bingo a bolas de Naftalina. Mas pelo menos não parti um braço. Por enquanto.
Roubaram-me a mala - Oh filha, antes isso que um braço partido!
Tinha lá a minha carteira com um boletim do euromilhões potencialmente premiado com 9 algarismos de euros e o meu iPhone - para que é que eu vou precisar dos braços agora?
Houve um terramoto e um tsunami no Japão - Oh filha, antes isso que um braço partido!
Que é como quem diz “Os outros que se fodam, o meu bracinho é que não!”
etc, etc, etc.
Mas em parte tenho de reconhecer que esta epifania tem, de facto, uma função indíscutivel: a partir daqui, o mundo torna-se um lugar bem melhor.
Ora se um braço partido é a referência absoluta do pior cenário que pode acontecer, tudo o resto toma imediatamente um carácter bem mais positivo. Acho que consigo viver num mundo em que o meu único e fatal medo será o estalido do rádio ou do cúbito. Afinal o que é um inferno em chamas comparado com isto? Depois de morrer nem sentes nada... Falecer é para meninos, pá!
11/02/2011
Observações de Campo #3
Felizmente há coisas que permanecem num plano não imediato aos olhos. Como os pés. Vê-se mesmo que foi a parte que ficou para o fim quando Deus desenhou o Homem, ou não fossem os pés a ponta mais feia do corpo humano. Muito provavelmente Ele já estaria cansado e com a mão dorida e acabou por desenhar uns rabiscos disformes e sem tinta, tal como a caligrafia ilegível que pauta o final dos apontamentos de uma aula de Antropologia, ou assim.
E como se não bastasse essa condição do nosso código genético com a qual temos de lidar todos os dias, ainda há BANDIDOS (que não têm outro nome!) que se atrevem a fabricar mausoléus em forma de sapatos para relembrar ao mundo da pior maneira que os pés, na sua aparência, existem:
Porquê? Porquê o disfemismo? Os pés já são feios que cheguem, por Cristo!
E o pior é que pegou moda. Atrevo-me a dizer que este sapato pode ser visto como o All Star da 3ª Idade. Se um homem com mais de 60 anos não tiver pelo menos um par, está condenado a ser vítima de Bullying pelos velhos rufias nos torneios de Canastra do Jardim do Príncipe Real.
Escrevam o que vos digo: se algum dia o meu pai, quando chegar à bonita década dos 60, tiver a menos bonita ideia de me aparecer com uns bibelôs daqueles nos coutos, eu juro que perco a compostura e lhe aponto uma palete de tons da Bellady à cabeça! Se ele está velho mas ainda assim pode estar na "moda", também vai a tempo de fazer umas madeixas para disfarçar as raízes, que pintar o cabelo já não é só coisa de gaja!
É que não tem lógica alguma. Ah, porque os sapatos são ortopédicos e o pai já não pode com as costas... Usaste saltos de agulha desde os 15? Aguentaste os dedos encarquilhados e os joanetes em sapatos de ponta bicuda? Então aguenta lá a escleose que os mocassins são como pantufas de caxemira de cabras da Pantene.
Por isso, cavalheiros de idade superior, deixem-se mas é de mariquices que se querem dar uso ao azulinho, reservem os sapatos ortopédicos para cunha de pés de cama e vão dar graças às dores de costas.
26/01/2011
Palavras do Dia#2
Escarlate
Situação
De facto, não me ocorre nenhuma. Escarlate é daquelas palavras que eu admiro mas não uso, não por medo de a profanar mas sim porque não liga bem com os meus ténis Adidas. É que Escarlate é uma palavra elegante... tão elegante que acho que só a vou usar quando tiver mais de 40 anos e vestir tailleurs. Com malas Escarlate, precisamente.
Os Critérios
O primeiro critério torna-se bastante evidente logo em 1. Uma palavra que para ser descrita no dicionário precisa recorrer a outras palavras igualmente caras como “Rutilante”, oh meus amigos! É quase tão chique como provar um champagne cuja flute é edição limitada da Atlantis!
O ponto 1. deixa-me ainda margem para uma segunda reflexão: ora se Escarlate pode ser o nome dado ao tecido que tem essa cor, isso significa que hoje quando chegar a casa e quiser limpar às mãos à toalha digo “óh filho, passa-me lá o anil que eu tenho as mãos a pingar de transparente?”.. ou isso, ou Escarlate é um substantivo tão espectacular que é o único que assimila os objectos que têm essa cor e toma a sua forma...
O segundo critério passa pelo facto de Escarlate ser uma palavra extremamente austera e selectiva. Não é qualquer um que pode dizer Escarlate. É preciso, pelo menos, comer com um guardanapo de pano no colo. Devia haver multas para o uso indevido de Escarlate, como por exemplo, para algum Ruben Nelson que dissesse que queria uma camisola Escarlate como o seu benfas. Aliás. Eu atrevo-me mesmo a dizer que, se vermelho é bimbo, e encarnado é que se diz, então minhas queques de solário e sinosite, engoli vosso botox que Escarlate é o brasão do 711C na escala Pantone, ou mesmo o pedigree dos 700nm do espectro electromagnético!
Escarlate tem ainda uma outra nuance. Escarlate tem uma leve aura de crime e pecado. Mas um pecado tão bem feito que faz inveja e dispensa Avé Marias só pelo mérito. Não sei porquê mas, o proíbido, na minha escala de cores (sim, porque eu atribuo cores a tudo) é de cor Escarlate, o que torna os crimes e os pecados muito mais tentadores, ou não lhes fosse essa uma característica própria. Por isso se eu disser que aquele homicídio encheu as paredes de sangue Escarlate, o homícidio é automaticamente promovido a obra de arte, linha essa que pode, na minha opinião, ser efectivamente muito ténue.
Por fim, não queria deixar de registar a minha profunda desilusão com o dicionário que consultei. Está aqui uma pessoa a escrever umas dezenas de linhas cheias de bom gosto e excelência, para vir um exemplo a bold dizer que pode “fazer-se um Escarlate”, assim como quem faz um filho, e esta comparação não foi aleatória. Obrigada pela graciosidade com que destruiste a pose da palavra e a puseste de quatro em frente ao mundo. Obrigada.
p.s. Como devem ter reparado, entre as Palavras do Dia#1 e as Palavras do Dia#2 passou, de facto, mais que 24h. Isso acontece porque, no meu mundo, um dia meu corresponde a aproximadamente 90 dias humanos. Por isso habituem-se!