Ora, no presente fim-de-semana, eu e a minha família fomos até Fátima, supostamente para visitar apenas as Grutas da Moeda. Levaram-me bem levada, que seu eu soubesse que íamos acabar no Santuário tinha ficado em casa, bem escondida, e certamente iria resistir se me tentassem dissuadir. Qual o meu espanto quando, no caminho de volta começo a ver, em vez de bosques e gado, velas e massas de gente em joelhos. Um calafrio percorreu toda a minha espinha. Eu sabia o que estava para vir: o ritual da velinha. Bem, saí e mentalizei-me que teria de aceitar aquela dura realidade.
No entanto, no meio de toda aquela agonia, vi algo que me fez esboçar um sorriso sarcástico. Ei-la: a placa informativa à entrada do Santuário.
Segundo a mesma, é proibido:
Pedir esmola: Curioso, afinal andei enganada todos estes anos, que achava que aquelas caixinhas de madeira com ranhuras que há nas igrejas e aqueles cestinhos que circulavam durante as missas eram para por moedas. Se calhar afinal eram só uma espécie de tombolas onde deixar a votação para o próximo pároco ou qualquer coisa assim.
Andar de bicicleta: Uma pena. É que aquele piso inclinado em laje polida é ideal para desportos sobre rodas.
Passear animais: E se eu quisesse que o meu Lulu da Pomerânia fosse benzido pelo Bispo, não podia?
É ainda aconselhável ter cuidado com malas e bens pessoais, que o Santuário está pejado de pessoas mal-intencionadas.
Devo ainda sublinhar que ontem estava bastante calor, e eu, consequentemente, usava um shortinho e um top. Obviamente, refugiei-me no meu telemovel para me manter ligada ao mundo terreno e não ser sugada para aquela dimensão de sacrifício humano. Isto levou-me a infrigir duas regras do Santuário, razão suficiente para que, se não me metesse a pau, fosse apedrejada ali mesmo, em frente a toda a gente.
De saída passámos ainda numa lojinha de souvenirs, a pedido da minha irmã. Aquele estabelecimento não podia ter stock mais completo. Na montra podia-se ver: terços, armas, colares com crucifixos de Nosso Senhor Jesus Cristo, colares com caveiras, porta-chaves de Nossa Senhora de Fátima, porta-chaves do Futebol Clube do Porto, rosários, pulseiras contra o mau-olhado. Aposto que se procurasse bem no meio das Bíblias ainda encontrava uma ou outra edição de Feitiços, Mézinhas e Rituais Pagãos.
Começam a surgir-me palavras na cabeça:
Poder?
Hipocrisia?
Manipulação?
Consumismo?
....
Mas se estava tudo ali, à vista de todos, porque é que só eu é que via isso?
Depois é que eu me lembrei da única diferença entre mim e quem estava ali à minha volta naquele momento, algo que eu não tinha feito como eles, e a resposta estava ali mesmo à minha frente, naquele grande cartaz informativo:
Fátima é um lugar de adoração, e todos entram como peregrinos.